Mas passada o tempo das grandes enchentes, foi só o tempo melhorar para ver a florada ressurgir no Sertão, há flores por todos os lados, mesmo as colônias do Meliponário urbano, onde em tese a florada é menor, estão com excelentes reservas de pólen e mel.
Pisamos fundo e encaramos a BR que liga Mossoró a Taboleiro Grande, devido ao tempo ruim dos últimos meses, a estrada não ajuda e temos que dirigir com cuidado devido à presença de muitos buracos, depois de duas longas horas de viagem chegamos ao lugar de nossas raízes.
Primeira parada foi casa da tia Júlia para tomarmos aquele café reforçado à base de muito cuscuz, café com leite, ovos, coalhada e o famoso queijo do sertão, tudo fresquinho, como só a Dona Júlia sabe fazer.
Todo mundo de barriga cheia partimos a pé, pois a estrada ainda não passa carro, até a zona rural da pequena cidade, Taboleiro Grande só tem de grande o nome, é terra de gente humilde, trabalhadora e acima de tudo guerreira, viver aqui é ver o tempo passar devagar, sem presa, sem destempero e agonia.
A tranqüilidade é tamanha que os populares não usam trancar suas portas, carros e motos dormem na rua, pois todos sabem que não haverá ladrões a roubarem. No mais, segundo me conta os únicos dois policiais da cidade, uma galinha vez por outro desaparece misteriosamente do galinheiro de alguém ou mesmo é preciso levar algum bêbado mais afobado para casa.
Percorremos a estradinha e atestamos a beleza da florada, tudo flora, desde o Mandacaru até a Jurema, o mata pasto está coberto de flor, do mesmo modo que a cabeça de galo, até as plantinhas mais miúdas explodem de vida e beleza, no sertão é assim, quando chove tudo floresce, ressurgi, renasce... A vegetação parece saber que ela só tem aquele momento para se multiplicar, florar, alimentar aqueles que têm fome.
O colibri canta, passeia em galho em galho sobre grandes pés de Juazeiro, as borboletas perambulam entre os estames das flores, o João de barro se apressa a montar a sua casa, ele como nós sabe que é tempo de fartura, tempo de namorar, casar e perpetuar a espécie. Como é belo o Sertão, sempre faceiro aos nossos olhos, pena não percebermos quase sempre.
No caminho o cheiro gostoso da mata verde penetra nosso peito, a cada passo o cheiro muda de acordo com planta que flora, o mais intenso é o pé de mufumbo. Quando mais andamos mais sinto perto a presença de Deus junto a nós, na correria diária da cidade grande muita vezes esquecemos que ele está presente em cada flor dessas, em cada paisagem que vemos, em cada animal que passei pelos campos e principalmente, dentro de nós mesmos.
Atravessarmos mais uma vez o Rio Apodi que corta a propriedade e vamos ao longe vendo aquela casinha no alto do morro, mesmo longe conseguimos ver o casal de velhinhos em pé a nos esperar, acenamos com os braços e eles repetem o gesto, acalentam o coração, mesmo ainda distantes, pareço sentir o cheirinho dos cabelos brancos daqueles velhinhos.
Após superar a última ladeira e o último chechero de pedras, vejo meus avôs com o sorriso que mais parece não caber na boca. Aquele abraço forte, demorado, sinto o tempo parar nesse instante de alegria e alvoroço, meu coração mal cabe no peito de tanta alegria, que vê assim pode pensar que faz uns 10 anos que não os via, mas só fazia duas semanas, rsrs. Temos o dever de conviver com os nossos velhos, temos que aproveitar ao máximo todos esses momentos, pois eles não voltam nunca mais, de resto, nos ficarão as lembranças dos bons momentos juntos, momentos esses inesquecíveis.
Passado o calor inicial da recepção, vamos aos apertos: - Você cabra, esqueceu de amarrar os cortiços que abriu semana retrasada viu, quase que caíram!!!! – Eu sei vovô, eu sei...Me desculpa....rsrsrsrsrs.
Depois de levar os puxões de orelha merecidos, fui tomar caldo de cana com limão moído na hora, depois de tanto caminhar esse caldo caiu do céu, pois a sede era imensa.
Botamos o papo em dia: A vaca pariu; os pintinhos de sua avó nasceram; duas Jandaíras enxamearam; os limoeiros estão carregados; o jumento fugiu e pra terminar, a raposa comeu dois patinhos do seu tio Wilson, tem papo melhor que esse!!! Não tem mesmo!!!
Às 9:30h inicio a arrumação da sala de colheita, separo o material, sugador, facas, garfos, garrafinhas, máscaras e luvas cirúrgicas, tudo limpinho e esterilizado para garantir a qualidade do mel, a higiene é importantíssimo para garantir a vida útil (e comercial) do mel, se colhido de outra maneira, facilmente se contamina e não pode ser estocado.
Começo a abrir as colônias selecionadas e aos poucos vou colhendo com ajuda de muitos olhares curiosos (e gulosos), todos estão a esperar pela minha autorização para roubarem alguma garrafinha de mel Jandaíra para saborearem. No início não deixo ninguém mexer, principalmente pela agonia de tentar terminar o mais rápido possível, pois no decorrer do trabalho as abelhas vão ficando irritadas e cada vez mais estressadas, mas depois vou autorizando alguns furtos.
É festa no Sertão, cada caixa que abro vem àquela pergunta de sempre: Essa ta gorda??? Está gente, essa também ta cheia de mel.
O mais difícil não é colher, é tentar enganar as abelhas campeiras colocando uma caixa vazia no lugar de sua casa para poder colher o mel. A cada troca levamos aquela surra, e que surra, quem pensa que toda essa operação não dá trabalho se engana, as Jandaíras não tem ferrão, mas em compensação tem uma força na mandíbula que cada mordida mais parece um alicate de unha beliscando. O ajudante se lascou, rsrsrsrs...
Terminado o trabalho o mel é separado na geladeira para decantar, devido à coleta ser com um sugador, o mel fica cheio de espuma e é preciso que ele descanse para que só depois a gente engarrafe.
Após o almoço e uma bela soneca na rede arrumamos tudo de novo e pegamos a estradinha de volta, do mesmo modo da chegada, recebo aqueles abraços carinhosos e me despeço prometendo não demorar.
Ao descer a ladeira da Casa Grande olho para trás e os vejo em pé, acenando juntamente com o resto da grande família, tios, primos, noras, genros, agregados etc. O coração aperta, mas tenho que partir, mais vez a cidade grande me espera, pois amanhã é segunda-feira e começa tudo de novo. Trabalho, trabalho e mais trabalho...
Já na saída, paro para apreciar a vista da entrada de Taboleiro Grande, no fundo a Serra da cidade de Porta Alegre que a noite podemos ver as luzes em cima, parece proteger a pequena cidade de Taboleiro Grande. Mesmo cansado, ainda deu tempo para registrar esse belo fim de tarde no meu Sertão do Rio Grande do Norte.
A Todos uma Ótima Semana,
Mossoró-RN, 26 de julho de 2009.
Kalhil Pereira França
Meliponário do Sertão
teste
ResponderExcluirCom todo esse papo do mais puro e singelo bucolismo, até lembro com saudade de quando pescava piaba no açude 25 de março, em minha terra Pau dos Ferros, usando pedaço de sandália havaiana como isca. Era uma beleza, mas bom mesmo era a farofada de piaba debaixo do pé de manga. O blog está muito bom e o texto soa bastante saudosista, prinpalmente pra quem é de cidade pequena. Amigo Kalhil, parabéns pelo blog. Abraço.
ResponderExcluirParabéns pela festa amigo Kalhil, parabéns mesmo.
ResponderExcluirDepois quero encomendar algumas garrafinhas desse néctar dos Deuses.
att,
Luciano Lima.
Mossoró-RN
que beleza de festa, parabéns pelo trabalho.
ResponderExcluirShow amigo, belas fotos, perdi o fôlego no seu relato, parabéns. Moro em Natal mas sou de Itaú, vê suas fotos me fez lembrar de minha pequena cidade.
ResponderExcluirparabens kalhil; sua narrativa é uma bela poesia.
ResponderExcluirKalhil, literalmente viajei com vocês até Taboleiro e casa dos avós! Bela narrativa e ilustrada com as fotos. Parabéns! Agora...que você judiou naquela foto postada na coluna lateral do blog, mostrando abelhas "comendo" o mel derramado...ah! judiou! Rapaz,dá água na boca!
ResponderExcluirJosé Luiz - de Cuiabá/MT