segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O Meliponário da Reserva Natural Serra das Almas

Após percorremos mais de 490km de Mossoró/RN até Crateús/CE, finalmente chegamos a Reserva Natural Serra das Almas. A reserva é mantida pela Associação Caatinga e é considerada pela UNESCO como Posto Avançado da Reserva da Biosfera, devido ao modelo inovador de conservação da Caatinga desenvolvido em conjunto as comunidades do seu entorno.


Reservas da Biosfera são áreas de ecossistemas terrestres internacionalmente reconhecidas pela UNESCO que possuem três importantes funções: conservação, devenvolvimento e apoio logístico às áreas protegidas.


São 6.146 hectares de área protegida que resguardam três nascentes e espécies ameaçadas de extinção. Aqui são desenvolvidas atividades de pesquisa científica, recreação e visitação escolar, além de projetos de educação ambiental e desenvolvimento sustentável junto às comunidades do entorno, combinando preservação com geração de renda e melhoria de qualidade da vida local.




Nossa visita tinha por objetivo montar o meliponário que há meses vinha sendo projetado para alocar 200 colônias de Jandaíra. A entrega das primeiras colônias, que serão mantidas pela Associação dentro da reserva  no intuito de devolver à região uma espécie que atualmente não é mais encontrada naturalmente, foi realizada sob clima de muita alegria pela concretização de um sonho.

Aqui as Jandaíras serão multiplicadas e as colônias filhas serão doadas aos moradores das comunidades assistidas pela Associação, em regime de parceria. O meliponário da reserva tem por objetivo servir de fonte para pesquisas científicas, inspiração para projetos de educação ambiental e acima de tudo, preservação de uma espécie que a cada dia vendo sendo ameaçada.


Distante 100 metros da sede, caminhando na antiga trilha do açude, chegamos ao Meliponário construído de alvenaria em padrões ecologicamente corretos.



O Meliponário é, na minha humilde opinião, o sonho de qualquer meliponicultor. Construído para suportar tranguilamente 400 colônias, está margeado num raio de 10 km em plena mata de caatinga que ao longo dos últimos dez anos vem sendo recuperada pelos esforços da Associação Caatinga.



Construído em formato de heptágono (7 lados), foi pensado para que todo o trabalho com as abelhas fosse desenvolvido dentro das instalações do meliponário. O telhado é uma obra de arte a parte, feito de maneira a sustentar toda a estrutura circular. Possui ótima bancada interna, tela de proteção, iluminação interna e externa e uma pia para lavagem de materiais e utensílios de manejo.



Assim que chegamos as caixas foram postas nas prateleiras e passei as primeiras orientações sobre o processo de soltura das abelhas que ocorreria nos dias seguintes, pois quando estamos diante de tantas colônias reunidas em um novo local é preciso que a liberação das abelhas seja feita aos poucos para evitar tumulto e briga entre as campeiras.



Ainda no primeiro dia conferimos algumas colônias para verificar se tinham chegado bem. A viagem longa na carroceria do carro deixa as abelhas irritadas, mas tudo estava em perfeita ordem, graças ao Grande Arquiteto Do Universo.



Mesmo cansados, todos nós estavamos muito felizes em poder contribuir com um projeto tão importante para as nossas abelhas nativas. Estamos plantando muitas sementes nesse sertão e esperamos que, mesmo diante de tantas adversidades, as próximas gerações possam collher os frutos desses pioneiros.

No dia seguinte, após uma noite muito tranguila nas dependências da sede da reserva, tomamos um café maravilhoso típico do Sertão. Ainda muito cedo, por volta das 5:30h da manhã, me dirigi ao meliponário para soltar o restante das colônias.




Assim que retiramos as telas, as abelhas saiam as centenas realizando, imediatamente, o voo de reconhecimento na nova morada. me sentei junto a velho tronco de angico e fiquei a observar a festa. No início da manhã foi aquela agitação, mas no decorrer do dia todas foram se achando e a harmonia voltou a reinar.


Ainda pela manhã fui conhecer alguns dos vários projetos que são realizados pela Associação. Entre eles está um lindo trabalho de reflorestamento da mata de caatinga, com as mudas de espécies nativas que são criadas em viveiros e estufas da reserva.

 No total, são mais de 40 espécies de árvore da caatinga que são cultivadas para  replantio de áreas degradadas. Ganhei de presente quatro mudas de Ipê roxo e amarelo. Irei plantá-las em Taboleiro Grande-RN, ao lado da antiga Casa Grande, em Homenagem ao Velho José Carneiro, meu querido avô, a quem devo o gosto pelas abelhas Jandaíra. Sei que onde ele estiver, certamente, está muito feliz pela continuação de nosso trabalho.


Sai da reserva com uma imensa vontade de ficar encantado com tudo que vi. Agradeço imensamente a Associação Caatinga, na pessoa de sua Coordenadora Railda Machado, pela maravilhosa oportunidade de conhecer e agora participar de um dos vários projetos realizados pela entidade. Nos próximos dias ocorrerão as primeiras capacitações com os moradores das comunidades locais para formação de novos meliponicultores. 

Mossoró-RN, em 10 de setembro de 2012.


Kalhil Pereira França
Meliponário do Sertão

Reserva Natural Serra das Almas

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A travessia das veredas sertanejas é mais exaustiva que a de uma estepe nua. Nesta, ao menos, o viajante tem o desafogo de um horizonte largo e a perspectiva das planuras francas.

Ao passo que a caatinga o afoga; abrevia-lhe o olhar; agride-o e estonteia-o; enlaça-o na trama espinescente e não o atrai; repulsa-o com as folhas urticantes, com o espinho, com os gravetos estalados em lanças; e desdobra-se-lhe na frente léguas e léguas, imutável no aspecto desolado: árvores sem folhas, de galhos estorcidos e secos, revoltos, entrecruzados, apontando rijamente no espaço ou estirando-se flexuosos pelo solo, lembrando um bracejar imenso, de tortura, da flora agonizante...
...
... Suas árvores, vistas em conjunto, semelham uma só família de poucos gêneros, quase reduzida a uma espécie invariável, divergindo apenas no tamanho, tendo todas a mesma conformação, a mesma aparência de vegetais morrendo, quase sem troncos, em esgalhos logo ao irromper do chão. É que por um efeito explicável de adaptação às condições estreitas do meio ingrato, evolvendo penosamente em círculos estreitos, aquelas mesmo que tanto se diversificam nas matas ali se talham por um molde único. Transmudam-se, e em lenta metamorfose vão tendendo para limitadíssimo número de tipos caracterizados pelos atributos dos que possuem maior capacidade de resistência.
 
Esta impõe-se, tenaz e inflexível.
... (CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Três, 1984)

Neste último final de semana, no intuito de entregar as primeiras colônias de abelha Jandaíra, a equipe do Meliponário do Sertão esteve no Reserva Particular do Patrimônio Natural Serra das Almas, mantida pela Associação Caatinga. A reserva é reconhecida pela Unesco como Posto Avançado da Reserva da Biosfera por abrigar uma representativa parte da caatinga no sertão de Crateús-CE. 
 
São 6.146 hectares de área protegida que resguardam três nascentes e espécies ameaçadas de extinção. São desenvolvidas atividades de pesquisa científica, recreação e visitação escolar, além de projetos de educação ambiental e desenvolvimento sustentável junto às comunidades do entorno da reserva, combinando preservação ambiental com geração de renda e melhoria da qualidade de vida local.

Mais detalhes sobre o projeto e a viagem, em amanhã...





quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Uma Enorme Surpresa, (Abelha Limão em plena caatinga)

Há dez anos praticando meliponicultura, várias foram as vezes que me surpreendi com as abelhas nativas, Mas nunca como na semana passada. Estava indo visitar um amigo na zona rural de Aracati/CE quando um menino, devia ter uns 10 pra 11 anos, me parou o carro em plena estrada carrosal e disse:

 (foto meramente ilustrativa, fonte: internet)

 - Ei, é você que vive procurando por abelhas por aqui?

- Sim, sou eu mesmo, muito prazer, rs.. em que posso ajudá-lo?

 - É que meu pai cria Jandaíras, Jatis, Amarela e uma LIMÃO, conhece?

 Depois do susto exclamei...
- LIMÃO? MAS LIMÃO MESMO? E você conhece abelha menino? 

- Oxe! Conheço home... é uma limão sim. Aqui todo mundo só chama aquela abelha de "abelha limão".

 - Rapaz, você tá de conversa fiada comigo, aqui não tem Limão rapaz! Como é que eu nunca vi essa abelha por aqui?

- Ora se eu sei moço! Ta duvidando de mim, pois venha vê, eu aposto um picolé!

 Pensei comigo... "Esse menino deve ta confundindo as espécies e eu vou só perder meu tempo entrando nessa casa pra vê essa abelha, é capaz de ser só uma Cupira".

 Muito desconfiado fui entrando no quintal da casa do garoto. Confesso que nem licença pedi pois o Dono (pai do menino) não se encontrava e sua mãe estava bem distante lavando uma amontoada pilha de louças. Não demorou muito e ele foi me mostrando:

 - Olha, aqui são as Jandaíras, essas aqui são Amarelas, essa aqui é a Jatí (o danado do menino conhecia todas!!!) e aquela alí, encostada na parede, é a limão.

- RAPAZZZZZ!!!! É uma limão mesmo!!!! SANTO DEUS... pois não é!!! 


 (clique para ampliar)

Nessa hora os neurônios de minha cabeça entram em colapso, a surpresa foi tamanha que acho que até a máquina fotográfica não estava acreditando naquilo que registrava, pois resolveu dá pau exatamente naquele momento. Não consegui tirar uma única foto boa para o blog, pois o bendito foco estava descontrolado. A minha sorte foi o celular pois tirei algumas fotos legais com ele.

 A Abelha Limão, também conhecida por IRATIM (Lestrimelitta limao, Smith, 1863), é uma abelha nativa brasileira que possui comportamente predatório. Essa abelha nativa não vive de polinização, não coleta néctar, nem muito menos pólen, por isso mesmo não possuem corbículas. Sua única atividade de subsistência é a pilhagem as outras espécies nativas, que variam desde meliponas de pequeno porte, como mandaçaias e Jandaíras, a trigonas e scaptotrignas, como Jataí, Jati, Cupiras, Tubibas etc. 

 (clique para ampliar)

São conhecidas como abelha limão pelo cheiro cítrico característico dessa fruta na sua composição. Elas exalam esse forte odor dentro da colônia atacada provocando uma desarmonia, gerando uma castração feromonal. Essa habilidade confere às limão uma estratégia única: ao exalar esse cheiro elas “bloqueiam” a comunicação e confundem suas vítimas desmobilizando-as. Sua entrada é arte a parte, com vários entradas falsas para enganar os inimigos naturais (formigas, largatixas etc).

 Extramente populosas, seu mel não é de boa qualidade, possui forte cheiro e gosto desgradável. É, por parte da grande maioria dos meliponicultores, temida, pelos motivos já exposto. Há àqueles que, inclusive, recomendam sua extinção da natureza, o que na minha humilde opinião é um grande exagero.

 Como toda espécie na natureza a Abelha Limão possui seu papel. No passado era responsável pela controle biológico das abelhas sem ferrão, todavia, devido ao desaparecimento acelerados das abelhas nativas de seu habitat natural estão se tornando cada vez mais raras pela falta de colônias naturais para predação. 

  (clique para ampliar)
Em todos esses anos nunca tinha visto essa abelha em área de caatinga, e confesso que durante esse tempo pensei que a mesma não fosse nativa dessa região. Certa vez, conversando na UFERSA com a Dra. Vera Lúcia Imperatriz Fonseca, renomada pesquisadora da área de meliponicultura, a mesma já tinha me relatado um ataque dessa espécie as abelhas Jandaíras em Fazenda Experimental. Inclusive tendo sido feito registro com fotos e filmagem. Fato esse que demonstra que a espécie realmente é nativa da região de Mossoró. 

 Infelizmente, não pude demorar muito pois tinha o amigo para visitar, mas confesso que quase cancelei a visita para esperar pelo pai do menino, enquanto chupava um monte de picolé que o menino tinha ganhado na aposta acima,  que teimava em demorar. Mas acabou ficando para outra hora... 

Mossoró, em 06 de setembro de 2012. 


Kalhil Pereira França 
Meliponário do Sertão