terça-feira, 14 de agosto de 2018

Pai, filho e as abelhas...


No último final de semana retornei ao meu pequeno pé de serra, zona rural da cidade de Taboleiro Grande, bucólica cidade sertaneja no interior do RN. Dessa vez retornava ao sítio com meu filho Heitor, de apenas 7 anos.



Heitor é uma criança típica da sua idade, conjuga a ternura e inocência da infância com a curiosidade e espírito de aventura que percorre a veia dos pequenos nessa fase. Cheio de perguntas, muitos por que... e com frase tiradas sabe Deus de onde...


 (colhendo flores de Jitirana para vovó Aprígia)
Além dele trouxe comigo um belo cortiço de Jandaíras para pendurá-lo no alpendre da casa. Era minha vontade vê-las trabalhando nessa época do ano para avaliar como anda a florada após o final do inverno. 

Mesmo após o encerramento das chuvas (já estamos iniciando o período de estiagem) ainda há uma boa florada por essas bandas. Algumas plantas só floram após o final do período chuvoso, fato esse que proporciona as abelhas um prolongamento importante das fontes de alimento até o próximo período de inverno.



Assim que cheguei instalei a caixa no local e soltei as abelhas. Como já esperado foi aquele alvoroço de Jandaíra perdida fazendo os primeiros voos de reconhecimento. Mas passado algumas horas todas já estavam “situadas” com o novo local.
 
 

No dia seguinte, ainda muito cedo, sou acordado pelo meu filho às 6h da manhã ansioso pra vê a retirada do leite das vacas. Mal tive tempo de lavar o rosto com a pressa dele em calcar os chinelas e sair em direção ao curral pra acompanhar aquilo que pra ele era um momento especial, afinal não é toda hora que uma criança urbana se depara com cenas diárias de um sítio.


 

A cada vaca ordenhada iniciava-se uma bateria de perguntas que a certo momento o pobre do vaqueiro (o meu primo Watson) já não sabia muito bem o que dizer. Seu objetivo era aprender a famosa técnica da ordenha das vacas, mas não foi possível ensinar, pois os animais estavam estressados com a presença de muitas pessoas no curral.



 Terminada ordena segue-se a esperada tangida do gado em direção ao pasto, de longe acompanhava meu pequeno vaqueiro que a essa hora já estava em êxtase.


A certo momento pergunto-me: como estão as abelhas que ontem coloque no alpendre? Não demoro e vou em direção ao alpendre que está ali a poucos metros para observar  o entre e sai de abelhas com suas patinhas cheias de pólen.


(vídeo das Jandaíras chegando logo cedo com muito pólen)

 Acertei na mosca! Vejo que a decisão de trazer as abelhas para cá nesse momento é o melhor a se fazer, principalmente pela intensificação do carro fumacê pela cidade de Mossoró, logo estarão passando pelo meu bairro e terei que fechar as caixas para evitar que morram envenenadas.



Pouco tempo depois, após o tão esperado café com queijo do sertão e muita coalhada, chamei o pequeno Heitor para conhecer algumas veredas que desembocam num velho rio que corta a propriedade. Ele sem pestanejar logo aceitou. Queria que ele conhecesse as inúmeras espécies de abelhas e plantas que a essa hora da manhã estavam em pleno vigor. 



Nesse momento tive a rara oportunidade percorrer com meu filho as mesmas trilhas que outrora eu percorria na sua mesma idade com meu avô, o saudoso José Carneiro. Foi sem sombra de dúvidas um grande momento para todos nós.




- Pai que planta é essa com tanta flor? Que bichinho é esse? Qual o nome desse passarinho? Que abelhas são essas?

Tudo chamava atenção pra ele, bastava um som diferente e logo vinha uma nova pergunta. A cada resposta que dava sentia a grata missão de transmitir a ele o amor pela natureza, o respeito pelos animais, admiração pela caatinga e suas abelhas que ali estavam em busca do néctar de cada dia.


 

A vida passa muito rápido, logo ele estará um rapaz e eu já não terei a força e a mesma vitalidade de agora, mas de certo terei a plena certeza que, assim como fizera meu avó, plantei nele a semente do amor pela natureza.

No caminho de volta percorremos um longo trecho seco, estávamos em silêncio quando sou surpreendido com a seguinte declaração de Heitor: Pai, quando eu crescer quero criar abelhas igual ao senhor...


Nessa hora os olhos marejaram e discretamente enxuguei uma lágrima que teimava em querer percorrer o rosto. Um sentimento de orgulho e alegria percorreu meu coração ao vê no sorriso inocente daquela criança o futuro de mais um geração de amantes das abelhas Jandaíras que se inicia. Aquele passeio não poderia ter terminado de maneira melhor.


Mossoró-RN, em 14 de agosto de 2018.



Kalhil Pereira França

Meliponário do Sertão

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Como nasce uma rainha entre as abelhas?



 
Imagem da internet: https://www.embrapa.br/image/journal/article?img_id=2516949&t=1424785467503


Bem, essa pergunta não é tão fácil de responder. Primeiro é preciso pergunta qual tipo de abelha estamos a falar... Cada espécie de abelha tem um processo diferente. Mas basicamente o processo se divide em 02 modelos distintos: alimentar e o genético-alimentar.


No primeiro modelo um ovo qualquer de operária é alimentado exclusivamente com a geleia real, um composto riquíssimo em nutrientes e sais minerais que desencadeia na abelha o desenvolvimento do seu aparelho reprodutor. 

As operárias desse modelo de procriação recebem esse mesmo alimento por apenas 03 dias e após esse tempo são alimentadas apenas com mel. Essa diferença é o suficiente para que apenas algumas poucas abelhas possam desencadear o processo de liderança, enquanto outras serão apenas abelhas comuns. Isso é o que acontece com as abelhas da espécie apis melífera, vulgarmente conhecidas como abelhas europeias ou abelhas africanizadas bem como com as abelhas sem ferrão chamadas de trigonas, que fazem as chamadas realeiras. 


O outro modelo é o chamado genético-alimentar e nesse a mágica é um pouco diferente. Aqui o alimento até é importante, mas o fundamental para o desenvolvimento de uma rainha é um feromônio. Como assim? Explico.


Nesse tipo de abelha não há diferença no tamanho da célula de cria, ou seja, cada abelha recebe a mesma quantidade de alimento larval necessário ao seu desenvolvimento. O que muda é a genética de cada ovo. Nessas abelhas os ovos de rainha já são geneticamente “programados” para ao final do processo de desenvolvimento se torarem princesas virgens aptas a serem aceitas no processo de formação de novas colônias ou em substituição de uma rainha já velha. Fazem parte desse modelo às abelhas meliponas, como as uruçus, mandaçaias e também nas jandaíras.


Então esse método é muito mais genético do que alimentar? 


Sim, mas existem alguns detalhes que vão, além disso. Durante o ritual de postura, antes de efetivamente por o ovo na célula de cria, a rainha quando deseja produzir uma operária libera dentro do alimento larval das abelhas um poderoso hormônio (chamado feromônio mandibular real – FMR) o qual inibe nas operárias o desenvolvimento dos ovaríolos. Entretanto, a cada certo número de postura, a rainha “esquece” de liberar esse feromônio, evitando assim que as princesas tenham seu aparelho reprodutor inibido. ´É esse mecanismo que desencadeia nas princesas o desenvolvimento de genótipo de rainha, fazendo que se desenvolvam.


Bem, como vocês puderam observar a coisa não é tão simples assim, há muita química envolvida por trás de uma simples abelha rainha.


Mossoró – RN, em 08 de agosto de 2018.


Kalhil Pereira França

Meliponário do Sertão