quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Revista ACAPAME - Meliponicultura em Mossoró/RN

Abaixo transcrevo na íntegra o relato da visita dos amigos e pesquisadores da USP/UFERSA a nossa cidade no ínicio desse ano, onde os mesmos tiveram a portunidade de visitarem muitos meliponicultores da nossa região. Um desses agraciados foi eu. Na oportunidade trocamos muitas experiências e alguns relatos sobre os avanços no manejo da Jandaíra na caixa tipo INPA, adaptada a essa abelha.

Fica aqui, desde já, o meu profundo agradecimento pela lembrança do pequeno trabalho junto as abelhas Jandaíras, fonte de minha inspiração cotidiana. A minha casa está de portas abertas a todos vocês.

Meliponicultura em Mossoró-RN

Ayrton Vollet Neto1, Cristiano Menezes2 e Vera Lucia Imperatriz Fonseca3
1. Universidade de São Paulo - Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP-USP)
2. Bolsista Prodoc/CAPES - Universidade Federal Rural do Semi-árido (UFERSA)
3. Universidade de São Paulo - Instituto de Biologia (IB-USP) e Universidade Federal Rural do Semi-árido (UFERSA)
Autor para correspondência: ayrtonvollet@gmail.com

Com o slogan "Mossoró da Gente", esta cidade do interior do RN chama a atenção pelo processo acelerado de desenvolvimento em que se encontra. A economia é movimentada principalmente pela produção de sal marinho, fruticultura irrigada voltada para a exportação, além de ser o maior município produtor de petroleo em terra do país (Fonte: Wikipedia http://pt.wikipedia.org/wiki/Mossor%C3%B3#Setor_secund.C3.A1rio acessado em 03/11/2010). Mas o que mais me chamou a atenção nesta bela cidade - apesar de eu ser suspeito para falar - foi a meliponicultura.

Em Mossoró a meliponicultura está fixada nas raizes do povo. Lá, ao se perguntar para qualquer pessoa onde se encontra mel, é possível receber a resposta, "de Europa ou Jandaíra?". Eu nunca havia ouvido esta resposta, é raro encontrar alguém que sabe que outros tipos de abelhas existem. Conhecer o mel das abelhas nativas então, isso foi inédito para mim. A maior surpresa veio ao fazer compras em um grande supermercado da cidade, onde encontramos nas prateleiras uma embalagem de mel de jandaíra, com registro junto à Secretaria de Agricultura do RN, retirado e processado em casa de mel e tudo mais (Figura 1 e 3). O responsável por este produto estar naquela prateleira é o Sr. Paulo Menezes, o maior meliponicultor da cidade.

Dono de grande simpatia e gosto pela conversa, principalmente sobre as abelhas, o "Seu Paulo", como é chamado, possui cerca de 600 colônias de jandaíra (Melipona subnitida) espalhadas pelo sertão nordestino (Figura 2). Com uma organização que não se vê comumente por aí entre os meliponicultores, ele produz e comercializa dentro do estado do RN cerca de 300 litros de mel por ano, com a marca "Mel Menezes". Ele, somado à iniciativa de minha orientadora, Profa. Vera Lucia Imperatriz Fonseca, que vem desenvolvendo um grande trabalho com a meliponicultura do RN no cargo de professora convidada da UFERSA - RN, organizaram uma pequena visita aos meliponicultores da região de Mossoró.


Figura 1: Os méis embalados pelo Sr. Paulo Menezes, que são comercializados no estado do RN


Figura 2: Um dos meliponários para produção de mel do Sr. Paulo Menezes. A caixa utilizada por ele é a modelo "nordestina".


Figura 3: Casa do mel do Sr. Paulo Menezes. No centro, um decantador de inox que é usado para separar as impurezas do mel. Nas garrafas de vidro o mel colhido fica em processo de "maturação".
Figura 4: Berguinho à frente de um de seus meliponários de Jandaíras.


Seguimos rumo à "Praia Redonda", localidade pertencente ao município litorâneo de Areia Branca. Lá encontramos com "Berguinho", meliponicultor bastante jovem, que herdou as caixas do pai (Figura 4). Com grande intusiasmo, Berguinho mostrou suas caixas de jandaíras, principal foco do seu trabalho, algumas moças brancas (Frieseomelitta doederleine) e jatis (Plebeia sp). Ele afirma que não tem muito tempo para cuidar das abelhas, por conta do trabalho, mas consegue tirar algum mel, que vende a conhecidos. Quando questionado sobre o manejo que faz nas caixas, logo coloca sua opinião: "se eu alimentar elas vão se acostumar, e vão parar de trabalhar!".

Ainda em Areia Branca conhecemos alguns meliponicultores pequenos, que deixaram as abelhas um pouco de lado, como é o caso de um pescador já de idade, que por causa de um problema com sua mão, e da falta de interesse dos mais jovens de sua casa, já não cuida mais de suas Jandaíras. A surpresa boa ficou para o fim daquele dia, quando por meio das informações que Seu Paulo consegue, com muita habilidade, com o povo da região, encontramos o Sr. Mesquita. Com cerca de 70 caixas de Jandaíra, O Sr. Mesquita foi o meliponicultor mais organizado que encontramos. Ele mesmo confecciona suas caixas, que possuem uma qualidade e um acabamento que não encontramos em caixas de abelhas floradas sem ferrão, e toma o cuidado de pintá-las de cores diferentes para não confundir suas abelhas.


(Figura 5).

Assim como o Berguinho, Mesquita não alimenta suas abelhas, mas com um outro argumento: "não preciso, sempre estão cheias de mel". E pelo que presenciamos lá em pleno início da época seca - quando faltam recursos para as abelhas - é a mais pura verdade. Por algum motivo, que desconfiamos ser a maior umidade do litoral, onde a seca não é tão severa, as abelhas não precisam de alimentação. E mais, segundo o meliponicultor, as abelhas produzem uma média de 2,5 litros de mel por ano. Um litro a mais que a média do Seu Paulo Menezes, que possui um manejo mais avançado de suas colônias, mas as mantém na caatinga do interior, onde a seca é maior. Outra hipótese levantada pela professora Vera Lucia é a de que as Jandaíras do litoral possam ser ligeiramente diferentes das abelhas do interior, mostrada entre outras caracteristicas, pela diferença de produção de mel.

No dia seguinte, de volta a Mossoró, fomos a casa de um jovem, porém já experiente meliponicultor, Kalhil Pereira. Muito bem recebidos por ele e por sua mãe, fomos conhecer as abelhas que mantém em sua casa, dentro da cidade. Kalhil tem uma visão avançada da meliponicultura, e quer trazer os avanços e mudanças que os pesquisadores e meliponicultores tem atingido para os seus meliponários. Uma prova disso é a mudança no tipo de caixas que ele vem realizando. A caixa tipo "nordestina" é a mais comum entre os criadores de Jandaíra, sendo utilizada tradicionalmente há muito tempo pelos meliponicultores no Rio Grande do Norte (Figura 2). Apesar de funcionar perfeitamente para a criação da Jandaíra, a caixa nordestina apresenta algumas desvantagens em relação a uma adaptação das medidas da caixa modelo INPA feita pelo próprio Kalhil para acomodar a Jandaíra (Figura 6 e 7). Nesta caixa as divisões podem ser facilitadas, além da possibilidade da colocação de melgueiras, por onde pode ser retirado o mel com maior higiene e facilidade. Apesar destas caixas auxiliarem a produção de mel, o foco do Kalhil não é este. Ele é um grande comerciante de colônias de abelhas nativas, atividade que complementa consideravelmente a sua renda.


Figura 5: O Sr. Mesquita (esquerda) e o Sr Paulo Menezes posam para foto ao lado do meliponário do Mesquita.


Figura 6: Modelo de caixa vertical utilizado por Kalhil na criação da Jandaíra.



Figura 7: A abelha Jandaíra se adaptou bem ao novo modelo de caixa. Aqui podemos ver uma cria forte, em uma época de escasses de recursos. Em um outro quadro de melgueira ficam os potes de alimento (no caso, retirado para foto do ninho).


Figura 8: Favos de cria da Jandaíra. A rainha aparece em destaque nas células superiores.


Finalmente visitamos a fazenda experimental da UFERSA, onde está sendo criada uma ótima infraestrutura para pesquisas em meliponicultura, bem como em apicultura. Lá os Professores Lionel Segui Gonçalves e a Vera Lucia Imperatriz Fonseca já reformaram e equiparam 2 locais de pesquisas com abelhas.

Foi uma viagem bem curta, na qual grandes nomes da meliponicultura não foram visitados, como o Sr. Ezequiel Roberto Medeiros de Macedo, de Jardim do Seridó-RN, que possui centenas de colônias de Jandaíra, e infelizmente ficou de fora do nosso trajeto. Apesar disso pudemos ter uma boa visão da meliponicultura da região de Mossoró, onde a criação de abelhas nativas existe há muito tempo. Pudemos ver que na maioria dos casos esta é uma tradição passada de pais para filhos, feita na maioria das vezes como atividade de lazer ou fora de moldes produtivos. Porém, observamos o surgimento de criadores com novas idéias e visões sobre a meliponicultura, dispostos a fazer da atividade o próprio sustento, e que já viabilizaram a comercialização do mel da abelha nativa em grande escala.

Sem esquecer que a grande protagonista, e principal responsavel pelas conquistas narradas acima, é a Jandaíra. Abelha forte, robusta, que resiste à seca e o calor do sertão nordestino, e produz uns dos méis mais saborosos já produzidos (Figura 8).

Registro nossos agradecimentos aos meliponicultores que nos receberam muito bem, sempre dispostos a bater um bom papo e abrir as portas de suas casas, em especial ao Sr. Paulo Menezes, que além de tudo nos guiou pela região de Mossoró. À UFERSA pelo apoio durante a nossa visita, em setembro de 2010 e ao financiamento CAPES.

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