quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Descoberto "parasitismo" social em espécie de abelha sem ferrão

Em cada período de sua curta vida uma abelha-operária comum passa pelo chamado “polietismo etário”, ou seja, ela exerce por um determinado tempo uma tarefa específica na colméia, desde sua fase reprodutora, passando pelos períodos em que sai da colméia para recolher néctar e pólen. No entanto, a pesquisadora Denise de Araujo Alves do Instituto de Biociências (IB) da USP, em colaboração com o doutor Tom Wenseleers da Universidade de Leuven na Bélgica, descobriu que algumas abelhas da espécie Melipona scutellaris, também conhecida como uruçu, não participam desse processo, permanecendo a vida toda da colônia, colocando seus ovos nas células de cria dentro do favo.

A pesquisa também mostrou que as abelhas exclusivamente reprodutivas tinham uma idade de aproximadamente 110 dias, o que não é comum para a espécie, que costuma viver por cerca de 31 dias. “Nós acreditamos que elas passaram a vida toda se reproduzindo e sem passar para atividades mais arriscadas”, explica a pesquisadora. Ela comenta ainda que se essas abelhas tivessem saído da colméia para, por exemplo, buscar alimento, elas provavelmente teriam uma vida mais curta, já que essa é considerada uma atividade de alto risco.

A reprodução das abelhas obedece a um princípio chamado partenogênese, onde os óvulos fecundados produzem fêmeas e os ovos não-fecundados produzem machos. As Melipona scutellaris, abelha sem ferrão encontrada nos trechos de Mata Atlântica do Nordeste brasileiro, também são capazes de produzir ovos, contudo, como elas não podem ser fecundadas, todos os seus filhotes nascem machos. A abelha-rainha é a única que tem a capacidade de produzir descendentes dos dois sexos, as fêmeas, que se tornam operárias ou rainhas, e os machos, conhecidos popularmente como zangões, estes também pelo processo de partenogênese.

Parasitismo social

Contudo, o que é mais curioso no caso das abelhas que permanecem se reproduzindo pela vida toda é que elas privilegiam os seus filhotes em detrimento dos da rainha. Cada célula de cria no favo é construída pelas abelhas para que a rainha deposite um ovo. Lá é disponibilizado alimento para que a larva se desenvolva até se tornar uma abelha. O problema é que as abelhas-reprodutoras também depositam seu ovo e fecham a célula para que seu filhote desenvolva.

Dessa maneira, o trabalho realizado pelas abelhas-operárias visando o desenvolvimento dos filhotes da rainha é apropriado pela abelha-reprodutora. “Se as operárias começam a por ovos, elas deixam de trabalhar dentro da colônia e começam a se reproduzir de forma egoísta e entram em conflito com a rainha, pois ela que é a reprodutora da colméia.”

A pesquisadora entende que o mais relevante dessa descoberta é que mesmo com a morte de uma rainha e a chegada de outra, as abelhas-reprodutoras continuam vivendo em razão própria. “Acreditávamos que assim que uma nova rainha se estabelecesse, as abelhas-reprodutoras descendentes dessa nova rainha é que poriam os ovos, e isso não foi exatamente o que aconteceu. O que se viu é que as abelhas ligadas a rainha anterior continuavam na colônia pondo os ovos, o que chamamos de parasitismo social,” esclarece a bióloga.

Denise acredita que essa reação esteja ligada às relações de parentesco entre as abelhas. “Para elas (as operárias-reprodutivas) é muito melhor criar o seu próprio filho do que ficar criando, no caso dessas abelhas que ultrapassam gerações, o filho da sua sobrinha, o seu sobrinho-neto.”

Prevalência da geração anterior
A pesquisa faz parte da tese de doutorado da bióloga, desenvolvida no Laboratório de Abelhas do Departamento de Ecologia do IB. O estudo, que é mais amplo que as evidências encontradas, está voltado para a análise da produção de abelhas sexuadas em pequenas populações de Melipona scutellaris, mais especificamente uma população na sua zona de ocorrência natural, em Igarassu, Pernambuco, e duas populações isoladas no estado de São Paulo. Por abelhas sexuadas entenda-se os machos e a rainha de cada colméia.

Justamente por analisar os machos dentro da colméia, Denise quis descobrir qual era a quantidade de zangões que não eram filhos da rainha. Em uma parceria com a Universidade de Leuven, ela analisou a geneticamente os machos para saber qual era sua ascendência.

Dos zangões analisados cerca de 23% não descendiam da rainha, mas sim das abelhas-reprodutoras. E dentro desse grupo 80% eram filhos das abelhas ligadas à rainha anterior. O que pode demonstrar que a relação de parentesco é um fator importante para o parasitismo social entre as abelhas.

Para a pesquisadora, o parasitismo não chega a prejudicar o funcionamento da colméia. Das cerca de 3 mil abelhas que chegam a habitar simultaneamte uma colméia, as abelhas-reprodutoras chegam a apenas 4% do total (de acordo com estudo realizado em outra espécie de abelha sem ferrão). “É uma fração tão pequena de abelhas que faz isso, que não causa nenhum dano à colônia.”

Fonte: http://www.usp.br/agen/?p=8815

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