sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Finalmente, hoje choveu!


Depois de uma manhã de muito trabalho, vou descendo as escadas da repartição onde labuto olhando a hora. São exatamente meio-dia em ponto no meu relógio e também no meu estômago, que já pede providências. Como diz o ditado: saco vazio não pára em pé.

No emaranhado de salas e corredores da Promotoria de Justiça vou fixando o olhar para porta de saída de vidro que, translúcida, já me traz boas novas. Alguém de longe me chama pelo nome, mas pela mistura de alegria e admiração passa despercebido, não escuto, agora só vejo. 

Prefiro acelerar as passadas e me deparar com essa raridade da natureza que ultimamente tem feito extrema falta ao sertão - está chovendo! Ainda é uma pequena garoa, mas a melancolia do momento faz com que as pequenas gotas de chuva me recorde das torrentes cachoeiras da serra de Portalegre/RN, durante um bom inverno. 

 (cachoeira do Pinga, Portalegre/RN)
fonte: http://mauricio-mauricioferreira.blogspot.com.br/2012/01/belezas-do-rn.html

Alguém da recepção se levanta e fica a me observar parado em meio a calçada deixando as poucas gotas de chuva levemente me molhar. Pergutam se estou louco! Nem ligo, eles não entendem, a essa hora não me preocupa o sapato de couro ou a camisa do terno. Na verdade, o que me vem a mente é uma antiga oração de agradecimento pela chuva, muito conhecida no Santuário do Menino Jesus de Praga que diz assim:

 "Olá Jesus, meu amigo, meu irmão e meu Deus! Hoje quero agradecer-te a chuva boa, aquele que faz bem a todos. É graças a esta chuva que a natureza tem vida e as plantas, as flores e as árvores do campo podem crescer. Que bela é a natureza quando fica tudo verde por causa da chuva! É graças à chuva que enche os rios e os lagos que eu posso ter água para beber, para me limpar, para lavar, para tomar banho e nadar. Sem ela não era possível ter a comida que me alimenta todos os dias. Quantas coisas boas esta chuva nos faz sem nos darmos conta! Ela é constante e simples, transparente e limpa, generosa e gratuita. Ela é, sem dúvida, uma graça do céu para todos. Eu também gostava de ser como ela: uma prenda do céu para todos os que me rodeiam. Queria fazer todo o bem à minha volta como faz esta chuva boa. Jesus, faz com que as minhas acções de cada dia sejam como pequenas gotas de chuva, que contagiam a vida onde vivo. Gotas que façam crescer a alegria nos outros. Gotas que não deixem o outro passar sede de companheirismo e amizade. Gotas que limpem os amuos, os insultos e as brigas. Gotas que contagiem generosidade e solidariedade. Assim seja." 

Vou caminhando em busca de um pequeno restaurante nas proximidades do trabalho. No caminho me deparo com um moto-táxi, depois de perder a corrida, a reclamar da chuva: mas tinha que ser essa hora São Pedro?

 Para a grande maioria dos sertanejos, nos quais me incluo, a chuva é uma dádiva. Certa vez um velho me disse que chuva era melhor dinheiro, por essas bandas a reflexão é a mais pura verdade. Há meses não chove em Mossoró e região, tenho acompanhado de perto o sofrimento do meu povo, que tem na seca a pior de suas lástimas. 

Esse problema crônico secular, motivado muito mais pela falta de interesse político do que divino, é um dos maiores pilares da vida no sertão. Seca e chuva estão para o sertanejo como pobreza e riquesa estão para os homens de negócios. 

Chego ao restaurante, faço meu pedido e espero o prato chegar, enquanto isso me lembro de como devem está felizes a essa hora as minhas queridas Jandaíras. Que o Grande Arquiteto Do Universo tenha piedade de nós e ordene a todos os anjos do Senhor que mande chuva para acalentar àqueles que tem sede. Lembro-me das poucas novilhas de meu Tio Wilson, homem simples, do campo, de poucas palavras, mas de um coração maior que seu próprio peito. 

Lembro-me da caatinga, da mata seca, retorcida, aparentemente sem vida que, em breve, explodirá em flor proporcionando as abelhas a prosperidade já muito bem cantadas pelo velho Luiz Gonzaga. 

Não demoras muito, a chuva continua a cair ainda mais fraca levantando cheiro de mato molhado. O tempo corre, quando percebo, já está na hora de voltar ao trabalho, mas agora com todas as baterias renovadas para enfrentar o segundo tempo. 

att,

Mossoró/RN, em 30 de novembro de 2012. 

Kalhil Pereira França 
Meliponário do Sertão

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