Ainda durante a madrugada tinha acordado com o barulho dos trovões e a luz forte dos relâmpagos que ao longe despertavam no velho aquele sentimento de renovação.
Mal se põe de pé e de maneira devagar se dirige ao velho fogão à lenha para preparar o seu forte café.
O menino, ouvindo o rastejado do velho, acorda e se dirige ao quintal. Chega na beira do mato, arreia o calção e urina, em seguida se encaminha em direção à pilha de lenha no fundo da cozinha para coletar alguns gravetos e acender o fogo.
No caminho ele olha pra cima e sente o forte cheiro do mormaço da chuva, que ainda longe, faz escurecer o nascente. Mal dá tempo de olhar e uma gota cai no meio da testa. Ele rapidamente olha os cortiços das jandaíras e percebe o alvoroço das abelhas.
Por um instante ele se encosta na pilastra do alpendre da casa e fica a observar o intenso trabalho das fortes e valentes Jandaíras, cada uma chega mais carregada que a outra.
O vigia a postos na entrada do cortiço não tem descanso, mal se posiciona em guarda e já chega outra abelhinha pedindo licença pra passar. Quando o sol dá uma trégua no sertão as plantas da caatinga retardam o fechamento das flores, fazendo as abelhas trabalharem até altas horas da manhã.
Com um sorriso no rosto o menino entra na cozinha acende o fogo e fala ao avô:
-Vô, já viu o nascente? Vai chuver!
O velho mal espera o menino terminar a pergunta e já responde:
_Já vi meu filho! Tem duas torres de chuva no leste e mais uma montando o nascente. Por isso não se demore. Corra! Tome café e vá logo soltar os bichos, na volta passe na cisterna d'água e prepare as biqueiras.
-Sim senhor!
O velho se levanta e caminha até o alpendre, senta e fica a observar o menino tangendo o gado em direção a baixa grande, nesse instante o vento engrossa e começa a trazer as primeiras gotas de chuva, o mormaço que antes era fraco e quente, agora é forte e refrescante.
O perfume do mato molhado se mistura com o cheiro gostoso da xicará do café na sua mão, a mistura faz despertar no velho as boas lembranças da fartura do inverno; mato verde, açude cheio, rio correndo, peixe a vontade, feijão e milho verde, mel de jandaíra...
Preocupado, o velho se levanta e vai verificar as amarrações dos cortiços de Jandaíras. As abelhinhas, prevendo o início da chuva se recolhem em suas casinhas, simples cortiços de imburana, talhados à mão.
Nessas horas as últimas que chegam carregadas são rapidamente abrigadas e o vigia, já prevendo o aguaceiro, tampa a entrada do cortiço pra evitar a entrada de água. Mal dá tempo para o menino retornar e a chuva começa, as primeiras gotas que eram fracas agora se transformam em chuva torrencial, a correria é grande, as galinhas se abrigam atrepadas no pé de cajarana e o burro se deita no chão coberto pelo pé de Juazeiro.
De repente o forte brilho no céu faz desencadear um forte estrondo na terra, a impressão que se tem é que são Pedro abriu as torneiras do céu e vem lavar a seca do sertão.
O menino, não se contendo de alegria sorri e fala:
-Eita Vô, essa chuva vai ser forte.
O velho, com seu jeito manso e devagar, agora se preocupa e responde:
-Menino! Corra ali e feche a porta do oitão, vá lá no armazém e tire a carne de sol do varal, se não vai molhar todinha!
Tó indo vô. To indo.
Nesse instante cai um mundo d'água, enquanto isso o velho sentado estica os pés na beira do alpendre e fica a sentir a chuva molhar a barra de sua calça. O menino chega e pede ao velho para ir tomar banho de chuva, sem retrucar o velho permite, recomendando apenas o uso das alpergatas nos pés.
O menino tira a camisa e só de calção surrado fica a se molhar no aguaceiro que parece não ter hora pra acabar. Nessa hora o velho vê o menino se banhando e fica a relembrar o passado.
Lembra-se da sua infância, tempos difíceis mas saudosos. Caçula de oito irmãos, filho de agricultores sertanejos, nunca tivera a oportunidade de estudar, pois a lida diária no campo bate muito cedo na porta de uma criança carente do sertão.
Mesmo assim, não tem remorsos. Pelo contrário, se orgulha e muito de sua educação rígida e disciplinada. O amor pela família sempre foi o laço forte numa terra onde o povo esquecido nunca guarda muitas esperanças.
Lembra-se que certa vez apanhou sem nem saber o motivo, simplesmente por que naquele tempo quando um fazia coisa errada, todos apanhavam pra ninguém sair mangando do outro, agora ria do passado mas à época aquilo lhe parecia meio injusto.
A chuva com o tempo vai se enfraquecendo, o menino já cansado de tanto se banhar se abriga com os lábios roxos e os dedos enrrugados. Ainda molhado corre em direção a cisterna e retira a biqueira, tampa e volta ao alpendre.
O velho, com seu jeito acolhedor, busca uma toalha e encobre o menino para socorrê-lo do frio, nesse instante os dois voltam a sentar no beiral do alpendre e passam a contemplar o belo arco-íris que se forna no poente.
-Vô, como nosso sertão é bonito! Mesmo diante de tanto aperreio eu gosto tanto desse lugar, desse cheiro de mato molhado, desse barulho do vento, do canto do bem-te-vi, da zoada do grilo a noite...
O velho olha o menino e sorri respondendo serenamente:
-Eu também meu filho, eu também...
O tempo parece parar nesse momento, o menino já não teme as dificuldades da lida no sertão, pois sente que o inverno está próximo e que as boas novas de São Pedro logo chegaram pra ficar por alguns meses, trazendo fartura e beleza ao sertão, sente que mais uma vez provará o mel Jandaíra que tanto gosta.
A chuva aos poucos vai passando e o sol vem novamente mostrando a sua força. O velho se recolhe com o menino e vão em direção a cozinha preparar o almoço do dia.
Continua....
Mossoró-RN, em 08 de novembro de 2010.
Kalhil Pereira França
Meliponário do Sertão