...Meio-dia no Sertão, o menino olha o sol brilhando com toda a sua força no céu, a cabeça pega fogo, como se fosse derreter de tanto calor, o suor escorre pelo canto da testa no mesmo instante que passa a olhar a rispidez dos espinhos do Mandacaru.
Por um instante pára e pensa, por que não vamos embora desse lugar, tanto sofrimento, tanta dependência das boas novas de São Pedro.
Cansado e descalço, caminha olhando o chão seco e rachado pelo sol, a terra ferida e seca, parece clamar por míseras gotas de água, mais uma vez ele pára e pensa...
Nessa época, quando até Deus parece abandonar o Sertão, os únicos que se fartam são os urubus, que se deliciam com as carcaças dos mais variados bichos mortos pela fome e pela sede espalhados pelo caminho.
Na espera de um milagre, ele abre os cortiços e não vê mel, as Jandaíras, mesmo valentes, mais do que nunca sofrem com a seca, não tiveram tempo de produzir o suficiente para uma boa produção, a postura baixa é sinal de tempos difíceis.
O cinza toma de conta do horizonte, a mata sem folhas torna-se feia e perigosa, as últimas reservas são gastas na tentativa de sobrevivência de mais alguns meses de seca e sofrimento.
Mais uma vez o menino pára e pensa, qual o porquê de tanta seca...
Mesmo assim, nesse cenário de sofrimento e desilusão, ele se pergunta por que tantos não abandonam essa terra, árida e esquecida, persistindo em ficar, mesmo sabendo que daqui não terão bons frutos e boas novas.
A tarde vem caindo e o sol se pondo no horizonte, as últimas Jandaíras vem chegando para o seu repouso noturno, o menino olha ao lado e vê o velho respirando o orvalho que vem chegando na leve brisa do fim do dia.
O menino não entende como o velho pode ser tão sereno e calmo, diante de tanta miséria e desilusão.
O velho, no clarão de sua longevidade se atenta ao traquejo do menino, de cabeça baixa e com olhar tristonho, pergunta: o que tens meu filho?
Nada vô, só não sei por que passamos todos os anos por tudo isso, essa seca maldita que só nos traz miséria e fome, tristeza e aperreio.
O velho, ao percinte o desânimo do menino se aproxima e o convida a olhar o horizonte, o jeito sereno do velho parece acalmar agonia do menino. Olhando os seus olhos, o menino, já mais seguro e tranguilo, escuta o seu velho responder:
Filho, a seca é só uma passagem, como tudo na vida ela vai passar, Deus nunca esqueceu de nós e ao seu tempo nos mandará as primeiras gotas de chuva.
A mata, agora seca e áspera, voltará a brilhar em vida, cheia de frutos e flores, o chão ficará novamente fértil, nos dando novamente a oportunidade de plantarmos nosso milho e feijão.
A asa branca e o bem-te-vi logo voltarão a cantar, alegrando o seu Sertão, agora tão triste e solitário, logo os córregos se encherão de água e os peixes procriarão, nos dando muitos outros peixes.
A cada palavra dita o menino percebe florescer no rosto do velho um sorriso contagiante.
Não demorará e as Jandaíras, sábias e dedicadas, logo iniciarão a coleta, nas mais variadas flores da caatinga, nos dando o doce mel que só nós conhecemos.
O menino, agora já mais calmo e destemido, não compreende muito bem as palavras do seu velho, mas sente que elas são verdadeiras, ele percebe que o velho guarda consigo um sentimento de esperança e apego àquela terra que, mesmo diante de tanta adversidade, nunca abandonará.
Somente muitos anos depois, já adulto e com a mente madura pelo decorrer do tempo, o menino, agora homem, compreende muito bem aquelas palavras que um dia lhe foram ditas numa tristonha tarde de verão.
O velho queria lhe dizer que o que faz sertanejo se manter, mesmo diante de tanta precariedade, de persistir naquele pedaço de chão adverso era o seu eterno sentimento de identidade, o sertão não é só a sua casa, mas é acima de tudo a sua própria existência, não há caboclo sem sertão, como não há sertão sem o sertanejo.
Talvez seja por isso que a Jandaíra, na natureza, só é encontrada na caatinga. Certamente, elas, as fortes valentes do sertão, amam, assim como aquele velho, esse pedaço de chão tão sofrido e antagônico...
att,
Mossoró-RN, em 19 de outubro de 2010.
Kalhil Pereira França
Meliponário do Sertão