sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O dia que a Jandaíra chorou...

Nunca uma postagem foi tão difícil de ser escrita por mim, a cada palavra digitada tento conter as lágrimas que teimam em escorrer pelo rosto. Durante toda essa semana rezamos para que não vinhessemos a escrever tal notícia, mas infelizmente há muitas coisas nessa vida que não estão em nossas mãos e essas nós devemos entregar a Deus.


Hoje, por volta do meio-dia, no Hospital Regional Tarcísio Maia em Mossoró-RN, vítima de complicações avançadas de câncer, faleceu, aos 90 anos de idade, Seu José Carneiro Cavalcanti Dantas, meu amado avô materno, patriarca de nossa família, a quem devemos a honra dos ensinamentos de uma vida e amor pelas abelhas nativas.

Ainda na quinta-feira à noite, já muito debilitado pela doença e sentindo a hora, olhou pra mim muito sereno e apertou minha mão. Enquanto o colocavamos na maca para que a ambulância pudesse levá-lo ao hospital me disse baixinho que suas forças estavam indo.

Nada tive corragem de dizer, pois as palavras praticamente me fugiam da boca, na verdade, o momento não era hora para palavras, nenhuma consegiria acalentar meu coração que àquela altura já se encontrava em pedaços. No leito de morte, seu último desejo era morrer em casa, na sua eterna Casa Grande, na qual todos fomos criados. Infelizmente, não foi possível.


Vê-lo partir naquela ambulância a caminho do hospital foi um dos momentos mais difíceis da minha vida, pois sentia que nunca mais viria meu avô novamente, estava certo. Saber que amanhã não terei mais o prazer de sua companhia, de suas histórias, de seus relatos, de seus contos antigos, de seus eternos ensinamentos de moral e caráter, tudo isso é muito duro para mim.

Mas como dizia o poeta:"navegar é preciso, viver não é preciso". O barco da vida continua, o sol nascerá novamente, nada como um dia atrás do outro para que sofrimento da perda se transforme em saudade e este último se transforme em lembranças melancólicas de um homem que amava, acima de tudo, as coisas do Sertão mais que todos nós.

Amanhã, as Jandaíras do Meliponário do Sertão acordarão mais tristes...

att,

Mossoró-RN, em 23 de setembro de 2011.

Kalhil Pereira França
Meliponário do Sertão

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A sem ferrão que virou uma praga!



Uma das consequências do atual desequilíbrio ecológico que vivemos é a extinção de espécies, ou pela ausência do seu bioma natural ou do próprio animal.

Todavia, em alguns casos ocorre exatamente o contrário, ou seja, espécies que estavam em harmonia acabam, devido a ausência dos fatores de controle natural anteriormente existentes, se tornando, literalmente, pragas.

No mundo das abelhas sem ferrão isso também acontece. É o caso atualmente da abelha Irapuá (trigona spinipes), também conhecida como abelha cachorro, este himenóptero é conhecido do Oiapoque ao Chui e devido há muitos fatores, mas principalmente pela ausência das plantas (principalmente a balsa, Ochroma logopus) que fazem o seu controle natural, vem se proliferando com grande facilidade.

Esse inseto tem grande capacidade polinizadora, mas em contrapartida se utiliza de comportamentos prejudiciais para muitas plantas. Esse abelha aprendeu que não precisa esperar pela abertura dos botões florais para sugar o néctar das flores, ela simplesmente descepa os botões florais na base e coleta o néctar desejado, acontece que esse "inteligente" comportamento acaba por inviabilizar os frutos, prejudicando assim a planta.

Além disso, essa abelha, devido ao material utilizado para construção do ninho, acaba por cortar as pontas das folhas, base de frutos e brotações novas no intuito coletar a secreção (resinas) expelida pela planta que nessas regiões são mais aglutinadas.

Em alguns Estados do Brasil essa abelha tem se tornado uma grande dor de cabeça, principalmente para as grandes monoculturas agrícolas como a da Citrus ssp (laranja etc) e Musa ssp (bananeiras).

Sabe-se ainda que em épocas de pouca florada tem comportamento furtivo, ou seja, acabam pilhando diversas outras abelhas, em especial as do gênero melipona. Certa vez me surpreendi com uma ataque fulminante dessa abelha a uma de minhas colônias de Jandaíra.

Seu mel é tóxico e não deve ser consumido por humanos. Há na literatura nordestina, principalmente a de cordel, relatos que o mel dessa abelha acaba por deixar o cabra "embreagado". Muitos pesquisadores tem recomendado a destruição dos seus ninhos no intuito de controlar o crescimento de suas populações, principalmente em regiões onde há concorrência direta com as outras nativas do gênero melipona, bem como em regiões agrícolas de monoculturas atacadas.

Bem, me parece que alguma coisa tem que ser feita, pois realmente esta abelha está fora de controle. Mas antes de qualquer coisa é preciso esclarecer que a culpa não é do inseto, e sim do homem que desequilibra seu ambiente proporcionando esse tipo de situação.

De toda forma, acredito fielmente que esse inseto deve possuir alguma qualidade econômica, principalmente pela sua grande capacidade polinizadora. há de existir culturas que sejam beneficiadas pelo trabalho desse inseto, bem como pela grande produção de cera que produzem, já coletei muita cera de irapuá e vejo que misturada a cera de jandaíra pode ser aproveitada para fortalecer muitas espécies de meliponas.

att,

Mossoró-RN, em 05 de setembro de 2011.

Kalhil Pereira França
Meliponário do Sertão